sexta-feira, 5 de julho de 2013

Fruição e Prazer | Por que você se “emociona” com livros?!

literatura

A literatura nos causa as mais diversas sensações: alegria, tristeza, dor, raiva etc. Ela nos proporciona uma visão acerca de nós mesmos como seres humanos. A arte faz isso: ela tem o poder de nos conduzir às profundezas do nosso ser. Ela nos choca, mostra-nos aquilo que muitas vezes não percebemos ou que não queremos perceber, verdades imperceptíveis a olhos insensíveis.
Mas como isso ocorre? Através de algo chamado fruição. Experiências de fruição textual são magníficas, elas nos fazem olhar o mundo a nossa volta de outra maneira. Citando um exemplo pessoal, senti isso quando li 1984, de George Orwell, livro que me deixou deprimido por algum tempo. Por que aconteceu isto? Porque o livro me mostrou uma face do mundo que era desconhecida para mim, assim como também deve ter feito isto com muitas outras pessoas.
Porém, fruir um texto não é apenas se impressionar com ele, é mais. O texto de fruição não é seu amigo, ele não liga para você. Tem dificuldades de entender o que está escrito? Procure, releia, no final valerá o esforço. É isso que este tipo de escrito lhe oferece: um sentimento de choque, um embate com a língua ao mesmo tempo em que nós, como leitores, a possuímos, nos aproveitamos dela. Este tipo de analogia entre fruição e o prazer sexual foi feito por Roland Barthes (um dos maiores estudiosos da literatura em toda a história) em sua obra O Prazer do Texto, na qual ele realiza uma reflexão fantástica acerca da diferença entre o texto de fruição e o texto de prazer.
Para chegarmos à discussão central deste texto, é necessário fazer essa distinção. O texto de prazer é aquele de leitura mais simples, que não chama nossa atenção quanto à linguagem empregada pelo escritor. Como exemplo, podemos citar alguns dos best-sellers atuais: Harry Potter,CrepúsculoCinquenta Tons de Cinza etc. Ou ainda também podemos citar alguns livros clássicos como os de Julio Verne, que é justamente o exemplo que Roland Barthes usa. Nada contra nenhuma destas obras (eu mesmo adoro Harry Potter), mas qualquer um que já as leu ou que as está lendo sabe o quão simples é a linguagem empregada na constituição delas, de modo que o texto se entrega facilmente (apesar de algumas vezes terem um fundo mais complexo do que aparentam).
O texto de fruição já é diferente, ele, como já foi dito anteriormente, é denso, de leitura mais complexa. A linguagem é como uma barreira que o leitor deve transpor para chegar ao ouro, a fruição. Como exemplo, podemos citar os livros de Kafka, a obra Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister de Goethe, os poemas épicos de J. R. R. Tolkien ou o já citado 1984 de Orwell, entre outros. Estes livros nos levam a refletir sobre os mais variados temas e a flertar com sua matéria prima: a língua.
Mas este pensamento não torna os textos de prazer um tanto quanto inferiores em relação aos textos de fruição? Aparentemente sim, mas não podemos afirmar isto. Os textos de prazer são, sem dúvida, os mais amados, tanto que geralmente se tornam best-sellers. Eles nos divertem, são bons companheiros, identificamo-nos com suas personagens. É verdade que geralmente são relacionados ao mundo capitalista, no sentido em que geram grandes lucros, mas isto os torna ruins? Vale lembrar que não é só porque um livro vendeu muito que ele se torna automaticamente um texto de prazer, O Nome da Rosade Umberto Eco é a prova disso.
Outro estudioso, chamado Tzvetan Todorov (foi aluno de Roland Barthes) afirma, em seu livro A Literatura em Perigo, que não se deve considerar os livros que estão fora do cânone ruins, simplesmente por não serem clássicos. Ele usa como exemplo o já citado Harry Potter, de J. K. Rowling, e afirma que só porque a geração mais nova prefere ler este livro a outro considerado clássico, como a Eneida de Virgílio, por exemplo, não significa que essa geração não consiga apreciar a arte. A história do menino bruxo pode ser uma introdução dessas crianças e adolescentes ao mundo da literatura, e com o tempo eles podem se interessar em ler livros mais complexos. O que importa não é o que você lê, mas que você leia! Antoine Compagnon (outro estudioso, também ex-aluno de Barthes) coloca, em seu Literatura para quê?, que, na França, quando os alunos de Ensino Médio são questionados de qual o livro gostam menos, eles respondem Madame Bovary, clássico realista de Gustave Flaubert, o único que foram obrigados a ler.  Alcançar a fruição é algo maravilhoso, mas vem com o tempo. Se você gosta deCrepúsculo, ótimo, então discuta a obra, dialogue com ela, ou simplesmente divirta-se.
De tudo isso, podemos tomar a pergunta: os textos de fruição são melhores que os de prazer? A resposta pode até ser pessoal, visto que há leitores que não gostam da procura que os textos de fruição exigem e, portanto, acabam por achar os textos de prazer melhores. Mas vale acrescentar que, para aqueles que se disporem a essa relação mais íntima com a língua, que querem buscar na escrita significados mais profundos, que desejam alcançar a fruição, essa procura vale a pena, é muito mais gratificante que o simples prazer de ler por ler, pois é dessa maneira que conseguimos nos aprofundar na literatura, sentir o choque que a arte causa e entender muito mais o que é a essência do ser humano.

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