
A literatura nos causa as mais diversas sensações: alegria, tristeza, dor, raiva etc. Ela nos proporciona uma visão acerca de nós mesmos como seres humanos. A arte faz isso: ela tem o poder de nos conduzir às profundezas do nosso ser. Ela nos choca, mostra-nos aquilo que muitas vezes não percebemos ou que não queremos perceber, verdades imperceptíveis a olhos insensíveis.
Mas como isso ocorre? Através de algo chamado fruição. Experiências de fruição textual são magníficas, elas nos fazem olhar o mundo a nossa volta de outra maneira. Citando um exemplo pessoal, senti isso quando li 1984, de George Orwell, livro que me deixou deprimido por algum tempo. Por que aconteceu isto? Porque o livro me mostrou uma face do mundo que era desconhecida para mim, assim como também deve ter feito isto com muitas outras pessoas.
Porém, fruir um texto não é apenas se impressionar com ele, é mais. O texto de fruição não é seu amigo, ele não liga para você. Tem dificuldades de entender o que está escrito? Procure, releia, no final valerá o esforço. É isso que este tipo de escrito lhe oferece: um sentimento de choque, um embate com a língua ao mesmo tempo em que nós, como leitores, a possuímos, nos aproveitamos dela. Este tipo de analogia entre fruição e o prazer sexual foi feito por Roland Barthes (um dos maiores estudiosos da literatura em toda a história) em sua obra O Prazer do Texto, na qual ele realiza uma reflexão fantástica acerca da diferença entre o texto de fruição e o texto de prazer.
Para chegarmos à discussão central deste texto, é necessário fazer essa distinção. O texto de prazer é aquele de leitura mais simples, que não chama nossa atenção quanto à linguagem empregada pelo escritor. Como exemplo, podemos citar alguns dos best-sellers atuais: Harry Potter,Crepúsculo, Cinquenta Tons de Cinza etc. Ou ainda também podemos citar alguns livros clássicos como os de Julio Verne, que é justamente o exemplo que Roland Barthes usa. Nada contra nenhuma destas obras (eu mesmo adoro Harry Potter), mas qualquer um que já as leu ou que as está lendo sabe o quão simples é a linguagem empregada na constituição delas, de modo que o texto se entrega facilmente (apesar de algumas vezes terem um fundo mais complexo do que aparentam).
O texto de fruição já é diferente, ele, como já foi dito anteriormente, é denso, de leitura mais complexa. A linguagem é como uma barreira que o leitor deve transpor para chegar ao ouro, a fruição. Como exemplo, podemos citar os livros de Kafka, a obra Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister de Goethe, os poemas épicos de J. R. R. Tolkien ou o já citado 1984 de Orwell, entre outros. Estes livros nos levam a refletir sobre os mais variados temas e a flertar com sua matéria prima: a língua.
Outro estudioso, chamado Tzvetan Todorov (foi aluno de Roland Barthes) afirma, em seu livro A Literatura em Perigo, que não se deve considerar os livros que estão fora do cânone ruins, simplesmente por não serem clássicos. Ele usa como exemplo o já citado Harry Potter, de J. K. Rowling, e afirma que só porque a geração mais nova prefere ler este livro a outro considerado clássico, como a Eneida de Virgílio, por exemplo, não significa que essa geração não consiga apreciar a arte. A história do menino bruxo pode ser uma introdução dessas crianças e adolescentes ao mundo da literatura, e com o tempo eles podem se interessar em ler livros mais complexos. O que importa não é o que você lê, mas que você leia! Antoine Compagnon (outro estudioso, também ex-aluno de Barthes) coloca, em seu Literatura para quê?, que, na França, quando os alunos de Ensino Médio são questionados de qual o livro gostam menos, eles respondem Madame Bovary, clássico realista de Gustave Flaubert, o único que foram obrigados a ler. Alcançar a fruição é algo maravilhoso, mas vem com o tempo. Se você gosta deCrepúsculo, ótimo, então discuta a obra, dialogue com ela, ou simplesmente divirta-se.

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